O Carnívoro Urbano: Quando o Paladar Exige Intensidade

Por Márcio Rachkorsky, para Condomínios e outras paixões

Em um mundo cada vez mais dominado por dietas restritivas, sucos detox e a busca incessante por uma alimentação “leve” e “funcional”, há uma resistência silenciosa, um grupo de homens que se recusa a abrir mão do prazer visceral de uma refeição robusta. Eles são os carnívoros urbanos, e seu lema é claro: quanto mais forte, melhor.

Conversamos com um exemplar autêntico dessa tribo, um paulistano cujo paladar parece ter sido forjado no fogo do inferno gastronômico. Para ele, a felicidade tem sabor de feijoada bem-feita, daquelas que borbulham por horas, com o feijão preto desmanchando e as carnes salgadas liberando todo o seu colágeno e sabor. “Não gosto de comida legis”, confessa, com uma sinceridade que desarma. “Minha comida predileta é feijoada, uma costela de boi que desfia, que solta do osso.”

Essa preferência não é um mero capricho, mas uma declaração de identidade. Em um país onde 83% da população consome regularmente pratos típicos de sua região, segundo pesquisas recentes, a escolha por uma culinária de peso reflete uma conexão profunda com as raízes brasileiras. A comida nordestina e a do norte, famosas por seus temperos marcantes e ingredientes potentes, surgem como o paraíso para esses paladares. É a celebração da carne de sol com macaxeira, do baião de dois cremoso, da moqueca que perfuma a casa inteira.

Nosso entrevistado é um purista do sabor. Ele dispensa com desdém o que chama de “comida levinha”. “Não curto muito peixe levinho, não curto filés de frango”, afirma. Para ele, a verdadeira satisfação está no prato feito (o famoso PF), o pilar da democracia alimentar brasileira: arroz, feijão, uma proteína de respeito – de preferência uma “franguinha à milanesa” – e, claro, batata frita. É a comida que abraça, que conforta, que lembra a infância e os almoços de domingo.

E o que dizer do queijo? Para o carnívoro urbano, queijo é sinônimo de intensidade. Nada de queijos brancos e sem graça. A pedida é sempre um “quatro queijos”, e que um deles seja, obrigatoriamente, um queijo azul, com seu sabor picante e aroma inconfundível. É a busca pela complexidade, pela explosão de sabores na boca. A pimenta, nesse universo, não é um condimento, mas um item essencial. “Tudo que eu como, eu tenho que pôr pimenta”, revela. É o toque final que eleva a experiência, que transforma uma simples refeição em um evento.

Essa filosofia gastronômica vai na contramão das tendências que apontam para o crescimento do “plant-based” e do flexitarianismo. Enquanto muitos buscam reduzir o consumo de carne, o carnívoro urbano reafirma sua paixão pela proteína animal. Não se trata de uma afronta, mas de uma fidelidade ao próprio desejo, uma recusa em se render a modismos que não conversam com sua essência.

No fim das contas, a lição que fica é a da autenticidade. Em um mundo de tantas regras e expectativas, ser fiel ao próprio paladar é um ato de rebeldia. É entender que comida é mais do que nutrição; é cultura, é memória, é prazer. E, para alguns, esse prazer vem em porções generosas, com muito sabor, muita sustância e, se possível, uma boa pimenta para arrematar.

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